O Òrìṣà Èṣù no Novo Mundo, por Pierre Fátúnbí Verger
No Brasil, como em Cuba, Èṣù foi sincretizado como o Diabo. Não inspira, porém, grande terror, pois sabe-se que, quando tratado convenientemente, ele trabalha para o bem, quer dizer, pode ser enviado para fazer mal às pessoas más ou àquelas que nos prejudicam ou, ainda, àquelas que nos causam ressentimentos.
Chamam-no, familiarmente, o "Compadre" ou o "Homem das Encruzilhadas", pois é nesses lugares que se depositam, de preferência, as oferendas que lhe são destinadas.
Poucas pessoas lhe são abertamente consagradas em razão desse suposto sincretismo com o Diabo. A tendência, logo que ele se manifesta, é de acalmá-lo, de fixá-lo, oferecendo-lhe sacrifícios e procedendo à iniciação da pessoa interessada em proveito de seu irmão Ògún, com o qual Èṣù divide um caráter violento e arrebatado.
O lugar consagrado a Èṣù é, geralmente, ao ar livre ou no interior de uma pequena choupana isolada ou, ainda, atrás da porta da casa. É simbolizado por um tridente de ferro, plantado sobre um montículo de terra e, algumas vezes, por uma imagem, igualmente de ferro, representando o Diabo brandindo o tridente.
A segunda-feira é o dia da semana consagrado a ele. As pessoas que procuram a sua proteção usam colares de contas pretas e vermelhas. As oferendas, de animais e comida, como na África, são-lhe apresentadas antes das dos outros Òrìṣà.
Diz-se na Bahia que existem vinte e um Èṣù, segundo uns, e apenas sete, segundo outros. Alguns dos seus nomes podem passar por apelidos, outros parecem ser letras dos cânticos ou fórmulas de louvores. Eis alguns: Exu-Elegbá ou Exu-Elegbará e seus possíveis derivados: Exu-Bará ou Exu-Ibará, Exu-Alaketo, Exu-Laalu, Exu-Jelu, Exu-Akessan, Exu-Loná, Exu-Agbô, Exu-Laroyê, Exu-Inan, Exu-Odara, Exu-Tiriri.
Assinalamos anteriormente que, antes de realizar o "xirê dos Orixás", faz-se, na Bahia, o "padê", palavra que como vimos, significa em iorubá encontro ou reunião, durante a qual Èṣù é chamado, saudado, cumprimentando e enviado ao além com uma dupla intenção: convocar os outros deuses para a festa e, ao mesmo tempo, afastá-lo para que não perturbe a boa ordem da cerimônia com um dos seus golpes de mau gosto.
Arquétipo
O arquétipo de Èṣù é muito comum em nossa sociedade, onde proliferam pessoas com caráter ambivalente, ao mesmo tempo boas e más, porém com inclinação para a maldade, o desatino, a obscenidade, a depravação e a corrupção. Pessoas que têm a arte de inspirar confiança e dela abusar, mas que apresentam, em contrapartida, a faculdade de inteligente compreensão dos problemas dos outros e a de dar ponderados conselhos, com tanto mais zelo quanto maior a recompensa esperada. As cogitações intelectuais enganadoras e as intrigas políticas lhe convêm particularmente e são, para elas, garantias de sucesso na vida.
*VERGER, P. F. Orixás: Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo. São Paulo: Editora Corrupio Comércio Ltda, 1981.